Ouvimos sons de galhos, de folhas sendo remexidas. Ainda não é possível avistar os elefantes, mas sabemos que eles estão se aproximando, e os aguardamos em silêncio. Surgem ao longe, um a um, do meio da mata, caminhando em nossa direção. Percebem que estamos ali e se aproximam curiosos. Kilaguni, de quase três anos, que lidera o grupo pelo caminho, me examina vagarosamente com sua tromba macia. Todos os outros começam a nos rodear e parecem muito satisfeitos de nos encontrar ali. São 9 elefantes, com idades que variam de 2 anos e meio a 6 anos.
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Kilaguni e os outros órfãos no Parque Nacional de Tsavo, no Quênia. (C) Junia Machado/ElephantVoices (10/2010)
São cinco da tarde, está quase anoitecendo e estamos no Parque Nacional de Tsavo, um dos maiores parques nacionais do mundo, no Quênia, onde vamos acompanhar de perto, por alguns dias, nove elefantinhos órfãos que estão reaprendendo a viver na natureza após terem passado seus primeiros anos de vida num orfanato em Nairóbi (The David Sheldrick Wildlife Trust). Quando bebês, quase todos eles sofreram o trauma de verem suas mães serem mortas por caçadores em busca de marfim. Kilaguni foi encontrado atolado em uma poça de lama, sendo atacado por hienas, que chegaram a devorar seu rabo e parte de sua orelha. Para sua sorte, foi resgatado antes que as hienas conseguissem matá-lo e hoje é um “menino muito ativo e expressivo”, segundo seus tratadores. Todos os dias, quando percebe que o pôr-do-sol se aproxima, ele e Makena lideram o grupo no caminho de volta aos estábulos, onde passam a noite em segurança.
Até os sete anos de idade, os elefantes são muito indefesos e dependentes de suas mães e é praticamente impossível que sobrevivam sem elas na natureza. É nessa reserva, com a ajuda de seus tratadores, que aprenderão a sobreviver e que conhecerão suas novas famílias e amigos, com quem passarão o resto de suas vidas.
O que os elefantes têm a dizer
Os elefantes são extremamente inteligentes e vivem em sociedades muito complexas. Possuem uma memória fora do comum, acumulando e mantendo conhecimentos sociais e ecológicos, lembrando-se de aromas e sons de outros indivíduos e de lugares durante décadas. Produzem uma ampla série de vocalizações, muitas das quais em frequências abaixo do nível de audição dos humanos, podendo se comunicar através de grandes distâncias com outros elementos do grupo. São importantes para o meio ambiente, pois transportam sementes para diversos locais, modificam a paisagem e criam novos habitats, contribuindo para a biodiversidade. Por suas características psicológicas semelhantes às dos humanos, são vulneráveis ao estresse e ao trauma e a suas consequências de longo prazo, como a saúde mais frágil e - principalmente no caso dos mantidos em cativeiro - problemas de reprodução e comportamento anormal, entre outras.
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Órfãos no Parque Nacional de Tsavo, no Quênia. (C) Junia Machado/ElephantVoices (10/2010)
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Infelizmente, o número de órfãos que chegam ao orfanato do Quênia tem aumentado cada vez mais, pois o mercado de marfim está crescendo assustadoramente. Estima-se que atualmente sejam mortos mais de 30.000 elefantes a cada ano na África, para suprir a demanda desse mercado, especialmente da Ásia. O mercado de marfim, seguramente, é a maior ameaça direta ao bem-estar e à sobrevivência desses seres magníficos.
Cada elefante morto tem um impacto enorme na sociedade: os órfãos não têm como sobreviver sem suas mães, uma família sofre e se desorganiza com a morte de sua matriarca, muitas vezes se separando em grupos menores e mais vulneráveis e assim por diante, em um efeito dominó devastador. É necessária uma ação global, através de todos os países e seus cidadãos, para que o mundo saiba que para cada enfeite de marfim comprado, pelo menos um elefante foi morto.
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Manada de elefantes em sua longa marcha matinal diária, através de um lago seco na Reserva de Kitirua, no Quênia, em direção aos pântanos do Parque Nacional de Amboseli, onde passam o dia.
(C) Junia Machado/ElephantVoices (10/2010) |