A Tanzânia perdeu bruscamente dois terços da sua população de elefantes, em apenas quatro anos, escreve Aislinn Laing.
Publicado no The Telegraph, em 19 de Julho de 2015
Por: Aislinn Laing, Seronera, Parque Nacional do Serengeti
Enquanto Howard Frederick voava baixo em um Cessna sobre o cerrado da reserva de Selous, na Tanzânia, o que mais o chocou, ao invés das pilhas de ossos espalhados, foi a ausência completa de elefantes no local.
A equipe que estava realizando a contagem dos animais selvagens na Tanzânia em 2013 e 2014 sabia que a caça furtiva estava se tornando um grande problema, mas nada poderia tê-los preparado para o que eles descobriram.
A Tanzania havia perdido dois terços de sua considerável população de elefantes em apenas quatro anos, pois a demanda da China por suas presas de marfim havia enviado um exército altamente organizado de criminosos portando rifles e motosserras para dentro de suas reservas.
"Eu nunca tinha visto nada parecido com isso - havia cadáveres por toda parte, vários grupos familiares inteiros, lado a lado, de três a sete animais, abatidos" disse ele ao The Telegraph.
"Voando sobre estas áreas enormes e até mesmo dirigindo por elas, costumávamos, antes, ver dezenas de enormes elefantes machos.”
"Uma sensação terrível de falta de vida vinha daquela paisagem, a qual era definida pela presença daquelas criaturas. Agora é apenas um vazio."
Cem metros abaixo dele, em um veículo de safári, o guia turístico David Guthrie estava fazendo o seu melhor para explicar aos visitantes por que ele estava dirigindo para longe dos abutres que circundavam por ali – mesmo esse sendo, geralmente, um sinal emocionante para os turistas, de que poderiam estar prestes a ver os leões em momento de caça.
"Em 17 anos de trabalho em Selous, eu tinha visto apenas duas carcaças de elefantes, mas em 2010 elas começaram a aparecer de forma numerosa e, em 2012, foi simplesmente horrível", disse ele.
"Ouvíamos tiros regularmente quando estávamos nos campings. Tínhamos elefantes machos feridos vindo até ali, tentando encontrar um lugar seguro, e morrendo debaixo das árvores.”
"Os guardas tentavam bloquear o acesso às áreas – era simplesmente uma carnificina."
Presas de elefantes caçados no sudoeste da Tanzânia. |
Apesar de ter liderado o caminho para a proibição da exportação de marfim de elefante na década de 1980, a Tanzânia acabou se tornando complacente na tarefa de administrar sua vida selvagem abundante.
Com a sua reputação de capital mundial de elefantes e nomeação como Patrimônio Mundial da Unesco, Selous arrecadou cerca de US $ 9 milhões (R$ 5,8 milhões) por ano em receitas turísticas, mas o governo repassou apenas 20% desse valor para o funcionamento do parque.
O Sr. Guthrie disse que seus poucos guardas eram "impotentes e totalmente desmoralizados", trabalhando com armamento, abrigo e alimentos escassos. Os caçadores se vangloriavam por montar acampamentos em áreas nobres do parque e, em alguns casos, se mudar para os postos de vigilância.
De acordo com Howard Frederick, os caçadores furtivos trabalhavam em "equipes altamente mecanizadas", administradas por grandes organizações criminosas com base em Dar es Salaam.
“Eles formavam equipes que saiam para escoltar as áreas, em seguida, os caçadores entravam, montavam uma emboscada e matavam um grupo inteiro”, diz ele.
"Eles seguiam para a próxima área, enquanto a equipe de carniceiros chegava e picava todas as presas, e uma nova equipe entrava para realizar o transporte. A caça furtiva evoluiu de muito casual para a formação de equipes altamente organizadas."
Vista aérea de elefantes caçados na Tanzânia ocidental. |
Os elefantes da Tanzânia eram um alvo óbvio.
Quando o especialista em elefantes, mundialmente renomado, Douglas-Hamilton realizou o primeiro levantamento aéreo na Tanzânia, em 1976, o país tinha 316 mil elefantes, a maior população do paquiderme do planeta.
"Para uma pessoa que conta elefantes, era como o Everest para um alpinista," disse ele ao The Telegraph esta semana, da sua base na Reserva Nacional de Samburu, no Quênia. "Foi incrível. Uma área selvagem, imaculada, repleta de elefantes.”
Em 2013, foram realizadas várias apreensões de toneladas de marfim e foi sugerido que elas seriam originárias da Tanzânia.
Rob Muir, diretor de programação da África para a Sociedade Zoológica de Frankfurt (FZS), uma organização de vida selvagem com uma longa história no país do leste africano, disse que ficou claro que a caça furtiva - um problema identificado em toda a África – havia aumentado repentinamente em Selous, uma área com o dobro do tamanho da Bélgica.
O governo e a FZS (Sociedade Zoológica de Frankfurt) montaram uma equipe de pesquisa multinacional para determinar a gravidade do problema.
Quando o trabalho deles foi concluído, em outubro de 2013, eles ficaram devastados com os resultados.
“Nós recalculamos cerca de 1000 vezes porque não acreditávamos no que estávamos vendo”, disse Frederick.
Em Selous e no ecossistema ao redor, a população de elefantes é a menor desde que a primeira contagem foi realizada, de 109.000 em 1976, para 13.084 em 2013.
"Esse resultado foi como um chamado para percebermos como a caça furtiva havia se tornado algo sério", disse Muir. "Uma das maiores fortalezas de elefantes havia acabado de ser dizimada."
O governo da Tanzânia disse que iria reforçar a proteção da vida selvagem e aceitou várias ofertas de ajuda, incluindo dos americanos, que enviaram fuzileiros para treinar seus guardas.
Em uma conferência internacional em Londres, contra a caça furtiva, em abril do ano passado, o presidente Jakaya Kikwete disse que ele havia envolvido o serviço militar nesse tema e deu a entender que seu governo havia identificado o chefão da caça furtiva.
Mas havia ainda mais más notícias.
Paul Allen, fundador da Microsoft, adiantou-se perguntando sobre a situação dos elefantes em outros parques nacionais da África. Ele financiou um segundo levantamento que, no fim do ano passado, revelou que os caçadores, que acabaram com os elefantes em Selous, haviam mudado para Ruaha, o maior parque nacional da Tanzânia.
Em apenas um ano, entre 2013 e 2014, a população de elefantes dessa reserva despencou 60% - cerca de 1.000 elefantes por mês - para 8.200 elefantes.
Um importante estudo de DNA realizado com o marfim apreendido em um carregamento confirmou que 85% das presas africanas vieram de dois locais, uma pequena área da África Ocidental e da Tanzânia.
O Sr. Muir conheceu um casal em lua-de-mel em um voo, que havia gasto milhares de dólares para ver elefantes em Selous - e haviam ido embora sem encontrar um único animal.
"A mulher estava em choque e profundamente chateada", disse ele.
Iain Douglas-Hamilton disse que os elefantes, criaturas conhecidas pela sua sensibilidade, inteligência e boa memória, estavam escondidos.
"Eles se tornaram muito mais assustados, fugindo dos seres humanos e escondendo-se na vegetação mais densa, adquirindo hábitos mais noturnos", disse ele.
Em um coquetel em Dar, em junho, Lazaro Nyalandu, o ministro do Turismo, anunciou uma nova campanha de sensibilização chamada "Orgulho da Vida Selvagem", envolvendo uma ex-Miss Tanzânia e um astro do basquete.
Durante um discurso na Universidade de Cambridge, no final do mês, ele falou sobre a diminuição do número de elefantes, mas também destacou que esse número começou a subir novamente em Selous, além de falar sobre os "caminhos de sucesso para a conservação".
O governo ainda se recusa a publicar o relatório da contagem de 2014 em Ruaha, citando a falta de carcaças um empecilho para confirmar as mortes.
O Sr. Nyalandu sugeriu que o desaparecimento de 12.000 elefantes daquela reserva seja "o maior mistério da vida selvagem", e se comprometeu a enviar equipes de busca para verificar se eles haviam migrado para países vizinhos.
Os conservacionistas dizem que não há dúvida de que os elefantes foram vítimas de caçadores furtivos, mas que os seus cadáveres foram simplesmente descartados pelos caçadores antes de serem descobertos. Os números mais recentes são profundamente embaraçosos, dizem eles, especialmente depois que o Sr. Kikwete disse na conferência de Londres sobre seus esforços para interromper essa matança.
Poucos acreditam que a Tanzânia tenha tomado todas as medidas necessárias para tentar reprimir a caça furtiva.
Rob Muir acredita que a redução de elefantes já atingiu um "limiar" e não poderá diminuir ainda mais em Selous e Ruaha porque, como os turistas, os caçadores ilegais também não conseguirão encontrá-los.
Ele teme que sem esforços concentrados por parte do governo e sem a redução da demanda dos consumidores chineses, os caçadores possam mudar o foco para outros lugares, como para o Parque Nacional de Katavi, no Ocidente, ou até mesmo para a lendária Serengeti, onde a FZS está baseada em um conjunto de cabanas de estanho e cal cercadas por árvores de acácia.
Dr. Alfred Kikoti, principal especialista em elefantes da Tanzânia, disse que o ultrapassado governo do Sr. Nyalandu colabora com o problema por falta de vontade em combater as poderosas redes de corrupção da polícia e funcionários e políticos relacionados com a vida selvagem, ajudando os caçadores furtivos a operar sem nenhum impedimento.
Várias tentativas para desmantelar estas redes fracassaram.
A operação militar anunciada pelo Sr. Kikwete para diminuir os casos de caça furtiva durante a noite, para quase zero, foi interrompida após apenas um mês, por alegações sobre a violação dos direitos humanos. Pessoas envolvidas na operação disseram que os abusos foram uma forma conveniente de atrapalhar a operação: ela foi ficando muito perto de políticos sênior e de suas operações lucrativas.
Não muito tempo depois, o ministro do Turismo Khamis Kagasheki, que causou alvoroço ao entregar ao presidente uma lista secreta de políticos envolvidos na caça furtiva, foi demitido junto com três outros ministros, e a justificativa foi o fracasso da operação. A lista foi discretamente enterrada.
O Dr. Kikoti acredita que até que um novo presidente seja eleito em outubro, pouco mudará.
"Eu acho que se este governo decidir amanhã que não quer que essa situação continue, e que irá lidar com isso, aí sim será possível reverter essa diminuição na quantidade de elefantes", disse ele.
"Mas tem que vir de cima e tem que saber que ninguém está imune, caso esteja envolvido."
Ele e outros grupos de proteção da vida selvagem irão dedicar os próximos três meses para conseguir que o candidato do partido no poder, John Magufuli, pessoa adequada para a função, abrace essa causa.
Para o Dr. Kikoti, isso significa disponibilizar uma força-tarefa militar para cada parque e reserva, além de colocar um ponto final nas nomeações políticas para os cargos de autoridades relacionados à vida selvagem, definir penas mais duras e instaurar mais processos para os caçadores e, criteriosamente, passar a mensagem de que não haverá nenhum “intocável” na luta para salvar os elefantes da Tanzânia.
"Eu realmente espero que este novo representante faça a diferença, ele se tornará o presidente da selva", disse ele. "Ele deve lutar por nossa vida selvagem, e prometeu que vai."
Link para o artigo original.
Traduzido por Paula Duque Bertasi. Revisão: João Paiva, Teca Franco, Junia Machado. Edição: Junia Machado.
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Traduzido por Paula Duque Bertasi. Revisão: João Paiva, Teca Franco, Junia Machado. Edição: Junia Machado.