quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Uma crise silenciosa: elefantes do Vietnã à beira da extinção

Publicado por Christina Russo em “A Voice for the Elephants” (Uma Voz para os Elefantes), da National Geographic, em 5 de dezembro de 2013.


Elefantes asiáticos, como este da Tailândia fotografado por Jodi Cobb, da NGS, já circularam livremente em um território do tamanho dos Estados Unidos, mas, hoje, estão restritos a espaços fragmentados e isolados, onde são constantemente ameaçados. No Vietnã, eles estão à beira da extinção.

Os elefantes asiáticos não se beneficiam da atenção da mídia e de tantas ONGs como os elefantes africanos, que também continuam a ser abatidos ilegalmente. Por isso, as espécies do Vietnã estão desaparecendo discretamente.

Vítimas de um habitat cada vez mais fragmentado, de fracas leis ambientais, de conflitos com os homens, da exploração florestal e da caça ilegal, os elefantes do Vietnã correm risco de extinção.

De acordo com relatórios, em 1980 existiam, aproximadamente, entre 1.500 e 2.000 elefantes. Hoje, esse número pode ser de apenas 70.

“A situação é extremamente cruel”, diz Barney Long, diretor do Programa de Espécies no Fundo Mundial para a Natureza (WWF – World Wildlife Fund, em inglês). “Eles estão no limite. E vai demorar muito tempo para se recuperarem. É preciso não apenas um grande plano na mudança de conservação, mas também uma grande mudança cultural.”

Long passou muitos anos trabalhando para a WWF no Vietnã e explica que, de maneira geral, o país “não demonstrou um compromisso real com a conservação. Fizeram algumas declarações impactantes e também conseguiram criar algumas áreas de proteção, mas que ainda são pequenas demais e com uma gestão muito ineficaz”.

De acordo com Cao Thi Ly, chefe do Departamento de Recursos Florestais e Gestão do Meio Ambiente (FREM), na Universidade de Tay Nguyen, no Vietnã, elefantes vivem em oito ou nove trechos de floresta distribuídos pelo país, incluindo as fronteiras com o Laos e o Camboja.

Segundo o relatório de Ly, os poucos elefantes do Vietnã estão extremamente isolados. Em algumas províncias, como Nghe An, de seis a dez elefantes vagueiam em um pedaço de terra.

Em outras províncias, como Son La ou Lam Dong, por exemplo, há até menos: apenas um ou dois indivíduos. Seu habitat é altamente fragmentado e existem poucos corredores ligando um território ao outro, quando existem.

Biologicamente, as manadas de elefantes são quase todas compostas de fêmeas da mesma família, como explica Long: “Então, mesmo se o Vietnã conseguisse resolver o problema do espaço e da população, ainda teríamos o problema da genética. Com exceção das populações misturadas com as manadas do Laos e do Camboja, os grupos isolados são realmente grupos isolados. A longo prazo, a viabilidade genética deles deve ser questionada”.

Long acrescenta que não há, atualmente, nenhuma ONG trabalhando especialmente para salvar os elefantes selvagens do Vietnã.

Meenakshi Nagendran é bióloga especialista em vida selvagem e trabalha para o Fundo de Conservação para os Elefantes Asiáticos, do Serviço Americano de Pesca e Vida Selvagem (USFWS – U.S. Fish and Wildlife Service, em inglês). Quando perguntada se 70 elefantes seria um número viável para a população restante, ela respondeu que é possível: “Se o Vietnã tem 70 elefantes, e o país realmente protegesse seu habitat e criasse corredores, poderia haver uma recuperação da população”.  

Quantos elefantes existem?

No entanto, Nagendran acrescenta que não tem certeza se 70 é um número preciso. “Não sabemos se ainda existem realmente 70 elefantes selvagens. Há muitas incógnitas.”
Sobre o número exato, a bióloga começa dizendo que o Vietnã é como um “buraco cinza. Não um buraco negro, mas um buraco cinza”. Em seguida, afirma que, apesar de não ser confirmada, a informação que chega de ONGs é a de que haja apenas 10 ou 15 elefantes selvagens restantes no Vietnã.

Ly argumenta que coletar informações é um desafio e que “são fornecidos dados insuficientes”.

Atualmente, os elefantes estão listados como “em perigo crítico” no Red Data Book of Vietnã. O país é signatário da CITES, o que significa que “toda exportação e importação de elefantes e produtos para fins comerciais são proibidos”.

No entanto, em março de 2013, a CITES também identificou o Vietnã como um dos oito principais países envolvidos no comércio ilegal de marfim, seja como fonte, trânsito ou consumo. 

Em outubro, duas grandes apreensões de marfim aconteceram no Vietnã. Em uma delas, 2,4 toneladas de presas estavam escondidas dentro de sacos de conchas e, em ambos os casos, o marfim havia sido importado da Malásia.

Um passo positivo?

Fontes oficiais da província de Dong Nai anunciaram recentemente um fundo de emergência de 3,5 milhões de dólares para ajudar na proteção dos elefantes e no reforço do cumprimento da lei na região.

“Esta é uma iniciativa fantástica”, diz Long. “Pode se tornar um grande exemplo e deve ser aplaudida.”

De acordo com Long, nove elefantes foram mortos na província nos últimos anos. “Há desmatamento nessa área. Existe plantação de café e de caju e também diversos conflitos entre humanos e elefantes.”

Para que o programa de Dong Nai funcione, Long acredita que o projeto deveria ser integrado aos departamentos governamentais da província, inclusive à polícia.

“Esta é a área onde o último rinoceronte de Java no Vietnã foi alvejado e morto, sem que nenhuma prisão tenha sido feita. Então, quando falam sobre o fortalecimento da aplicação da lei, eles realmente não têm um bom histórico sobre o assunto”, explica o diretor.

Crueldade no cativeiro

Segundo o relatório de Ly, o Vietnã tem 81 elefantes cativos, quase todos explorados para entretenimento, como circos, zoológicos e acampamentos turísticos. É comum esses animais estarem sobrecarregados e desnutridos.

De acordo com uma reportagem, os elefantes, depois de trabalharem o dia todo e passarem a noite acorrentados, “ganham apenas algumas varas de cana-de-açúcar ou bananeira” para se alimentarem.

A pesquisa de Ly aponta que os animais, muitas vezes, “não têm cuidado veterinário e serviços de saúde apropriados”.

As condições dos animais em cativeiro refletem uma atitude de laissez-faire (“deixe estar”) sobre elefantes. “Não há uma ética de conservação real”, diz Long. “Ter elefantes na floresta não é algo que inspire orgulho ou senso de responsabilidade.”

No início deste ano, uma elefanta de 63 anos de idade morreu por excesso de trabalho depois de ter sido “forçada a transportar turistas em suas costas durante anos”.

Em 2011, um elefante de 38 anos foi encontrado morto em um acampamento turístico, amarrado a uma árvore com seus tendões cortados. Mais tarde, a mídia informou que o dono do elefante e seu cuidador foram detidos pelo assassinato. A venda do marfim parece ter sido um fator de motivação.

Por que elefantes asiáticos estão em perigo

Um relatório do USFWS de 2008 citou uma série de causas para a crise que os elefantes enfrentam não só no Vietnã, mas em outras partes da Ásia: a falta de compreensão da biologia do elefante, a falta de esforços para uma conservação específica e apropriada, políticas governamentais e leis fracas, má aplicação da legislação em vigor e uma “falta de vontade política para a conservação dos elefantes em todos os níveis de governo”.

O relatório também observou que “a estimativa da população global de elefantes asiáticos, calculada diversas vezes em cerca de 30.000, 40.000 ou 50.000 indivíduos, na realidade não passa de um palpite, permanecendo inalterada durante 25 anos, apesar da grande perda de habitat dos elefantes durante esse período”.

Meenakshi Nagendran, do USFWS, afirma sem rodeios que nós, seres humanos, somos os culpados: “É incrível ainda termos tigres, rinocerontes e elefantes (na Ásia). Mas ninguém aborda a questão da população humana. Esse é o ponto delicado”.

A caça novamente em alta

Enquanto elefantes africanos de ambos os sexos têm presas, na espécie asiática apenas os machos têm.

"Durante a crise da caça ilegal, há uns 20, 30 anos, a maioria dos grandes elefantes da Ásia foi perdida. Agora as pessoas estão vendo a nova geração crescendo com presas, e isso acaba gerando um aumento da caça ilegal”, explica Barney Long.

“Ninguém fala sobre a caça ilegal na Ásia como falam sobre a África e, no entanto, na Ásia, provavelmente o impacto é ainda maior, já que quanto mais machos desaparecem, menor é a viabilidade genética.”

De acordo com Longo, os elefantes do Vietnã estão enfrentando uma “crise silenciosa”.

Seu prognóstico é sombrio: “O Vietnã provavelmente será o primeiro país da Ásia a perder seus elefantes selvagens”.

Tradução, revisão e edição: Amanda Lourenço, João Paiva, Teca Franco, Junia Machado.

Link para o texto original da National Geographic.