Por Paul Steyn
O mundo está perdendo a guerra contra a caça ilegal de elefantes por causa do mercado de marfim. Essa foi a descoberta crucial no encontro de cúpula em Botsuana, a respeito do comércio de elefantes e da vida selvagem.
Kasane, Botsuana – Em relação ao comércio de elefantes selvagens, o Zimbábue está “aberto a fazer negócio com o mundo inteiro”, disse Saviour Kasukuwere, ministro do Meio Ambiente, Água e Clima do país, numa entrevista exclusiva para a National Geographic.
Kasukuwere, que compareceu, junto com representantes de outros países, à Reunião de Cúpula para os Elefantes Africanos, em Botsuana, em 23 de março, seguida pela Conferência Sobre o Comércio Ilegal de Vida Selvagem, em 25 de março, respondia à pergunta sobre o plano do Zimbábue de exportar elefantes bebês africanos mantidos em cativeiro no Parque Nacional de Hwange (veja: "Imagens reveladas: a situação dos bebês eelfantes capturados no Zimbábue) .
Embora essa questão não estivesse na agenda dos dois encontros, que tinham a intenção de discutir o progresso feito para deter o comércio ilegal de marfim e espécies ameaçadas e fazer recomendações para ações futuras, ela foi o “elefante na sala”, enquanto os representantes discutiam as implicações morais e políticas de vender elefantes selvagens para o exterior.
Kasukuwere assegurou que os bebês de Hwange não são para exportação e serão mandados para outras regiões do país para equilibrar as populações de elefantes do Zimbábue.
“Isso é normal”, disse ele. “Transferimos animais de uma área com alta concentração para áreas de baixa. Vez ou outra capturamos esses animais para tentar equilibrar as populações.”
De acordo com um documento publicado pelo Ministério do Meio Ambiente, Água e Clima sob o título “A Posição do Zimbábue em Relação a Vendas de Elefantes e Outras Espécies de Vida Selvagem Vivos”, o Parque Nacional de Hwange tem 54.000 elefantes, 40.000 a mais do que o parque nacional pode suportar.
Os últimos números do Elephant Database (Banco de Dados de Elefantes) – um website que mostra dados atuais das populações de elefantes no continente africano – estabelecem a população de Hwange em 34.000, segundo o censo de 2007.
“Nós temos muitos”, disse Kasukuwere. “Se você quiser alguns em Londres, por favor, nos diga.
Nós somos obrigados a usar nossos recursos naturais de uma maneira sustentável, para podermos financiar o custo de manutenção da nossa equipe, que tem o dever de proteger os elefantes e a vida selvagem.”
O ministro deixou claro que o Zimbábue “não vendeu nenhum elefante ainda”.
A caça ilegal não diminuiu. Ainda cai o número de elefantes.
Na Reunião de Cúpula para os Elefantes Africanos, representantes da CITES apresentaram estatísticas do seu programa Monitoring the Ilegal Killing of Elephants – MIKE (Monitoramento da Matança Ilegal de Elefantes), mostrando que os números da caça ilegal entre 2013 e 2014 não mudaram. (veja: 100 mil elefantes mortos por caçadores ilegais em apenas três anos)
O programa MIKE avalia os níveis relativos de caça ilegal com base na proporção de elefantes mortos ilegalmente, que é calculada através do número de elefantes mortos encontrados, dividido pelo número total de carcaças de elefantes encontradas por patrulhas ou outros meios, agregados por um ano, em cada localidade.
Segundo os representantes da CITES, as populações de elefantes na África devem chegar a um número de 434.000 indivíduos, com base nas estimativas de 2012. Mas, ao se levar em consideração os altos níveis da caça ilegal dos últimos três anos, esse número pode ser bem menor, uma vez que a mortandade ultrapassou a natalidade.
“Claramente, ainda estamos encarando uma crise”, disse à National Geographic o cientista-chefe do Secretariado da CITES, Tom de Meulenaer. “Não vencemos a batalha pelos elefantes. Os números da caça ilegal estagnaram num nível altíssimo em 2014, comparado a 2013.”
“Ao mesmo tempo, existem sinais de que estamos caminhando para uma melhor situação para os elefantes. Há indicações de que o cumprimento da lei – e existe um grande e sério esforço para o cumprimento da lei em diversos países – está começando a ter efeito”, disse de Meulenaer.
“Claramente, ainda estamos encarando uma crise. Não vencemos a batalha pelos elefantes”
Tom de Meulenaer, cientista-chefe da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e Flora Selvagens)
“Existe um esforço atual de comunicação com aqueles que investem no marfim ilegal na Ásia, especialmente a China, para que mudem de ideia. Essas pessoas sabem exatamente o que estão fazendo”. (leia sobre o mercado de marfim na China).
Mas Tshekedi Khama, ministro do Meio Ambiente, Vida Selvagem e Turismo de Botsuana e anfitrião dos encontros em Kasane, culpou a corrupção e a falta de vontade política pelo flagelo contínuo da caça ilegal na África.
A população de elefantes em Botsuana – ainda robusta e estimada em 130.000 – por enquanto não foi atingida seriamente pela caça ilegal.
“A África tem que dizer NÃO”, disse Khama. “É nossa responsabilidade dizer NÃO. Mas, enquanto existir corrupção, levará mais tempo do que gostaríamos.”
Ele também levantou a questão da alta demanda na China. “O tipo de participação que queremos da China é o de eliminar qualquer venda de marfim. Uma vez retirado do mercado, o problema está resolvido”, disse ele.
“Queremos pegar os chefes”
O segundo encontro em Kasane, a Conferência Sobre o Comercio Ilegal de Vida Selvagem, deu seguimento à Declaração de Londres de 2014, da qual 46 países participaram.
A Declaração de Kasane, com a participação de 32 países, inclusive a China e o Vietnã, reconhece o esforço realizado por governos para implementar as medidas discutidas em Londres, mas afirma que muito mais precisa ser feito.
“Este ano estamos determinados a encarar os crimes financeiros e a lavagem de dinheiro associados ao tráfico ilegal de vida selvagem”, disse o Lord de Mauley, ministro do Meio Ambiente, Alimentos e Questões Rurais da Grã-Bretanha, numa conferência de imprensa depois do encontro.
“Nós queremos pegar os chefes envolvidos, não apenas os caçadores ilegais. Temos que chegar aos cérebros desse comércio pernicioso.”
De Mauley realçou os esforços renovados de infiltração nas redes de transportes que movem os produtos pelo mundo. (Leia sobre estancar o comércio de marfim na Ásia através de portos de embarque).
“Existe uma operação criada pelo príncipe William, que irá engajar as companhias de transporte – particularmente as companhias aéreas e marinhas – que são crucialmente importantes.”
Países africanos também irão devotar mais atenção à necessidade de beneficiar pessoas nas áreas onde ocorre a caça ilegal, ele disse. “Dar às pessoas um motivo para apoiar a luta contra a caça ilegal, em vez de precisarem dela para sobreviver.”
Críticos de conferências de alto nivel, como a de Kasane, dizem que só um pouco mais do que promessas são alcançadas por alguns Estados participantes.
Mas Khama enfatizou que ficar sentado discutindo e observando “não está na agenda. Temos que manter a pressão”.
“Não vamos analisar os progressos apenas uma vez por ano”, disse ele. “Temos que ter uma inspeção contínua para ver como estamos agindo e realizando.”
Realizar significa ser capaz de mirar um declínio na matança de elefantes de 2015 em diante.
Uma das maneiras de atingir isso é incentivar o turismo da vida selvagem que irá gerar empregos e possibilitar uma renda para que as pessoas não precisem recorrer à caça ilegal – especialmente num país como o Zimbábue, que ainda tem milhares de elefantes (leia: "Zimbábue planeja aumentar a venda de elefantes, afirma fonte").
“Visitantes vão bater os pés”
Numa entrevista depois dos encontros, Bill Travers, presidente da Born Free Foundation, uma organização global de conservação, disse que, se o Zimbábue continuar com esse plano de vender animais selvagens, ele pode perder muito mais do que alguns elefantes.
“Visitantes vão, na minha opinião, bater os pés e escolher não visitar os parques nacionais do Zimbábue, o que causará mais dano do que a injeção de dinheiro a curto prazo esperada pelo governo”, ele disse.
“Eu acho que o governo está começando a perceber que, seja qual for a renda, o custo para a imagem do Zimbábue será alto, e o objetivo de reativar o turismo ficará severamente comprometido”, disse Tom Milliken, líder do Programa de Elefantes e Rinocerontes do grupo TRAFFIC, que monitora o comércio da vida selvagem, durante uma entrevista depois da conferência.
“Não vamos exportar nossos elefantes para lugares onde não são naturalmente encontrados”
Tshekedi Khama, Ministro do Meio Ambiente, Vida Selvagem e Turismo do Botsuana.
Milliken, que mora no Zimbábue, acrescentou: “Estava em Hwange outro dia e tentei conversar com a equipe do parque, mas ninguém quer conversar sobre os bebês capturados.”
Milliken diz que a captura dos elefantes bebês e o seu contínuo isolamento das manadas e confinamento no parque de Hwange, “são uma série de eventos horrorosos. Acho que vamos nos arrepender profundamente”.
De Meulenaer, da CITES, diz que a captura de alguns elefantes selvagens para o comércio legal é uma questão de ética.
“É uma questão de bem-estar, não de conservação”, ele disse numa entrevista do lado de fora do encontro de cúpula pelos elefantes.
O Zimbábue está abrindo um precedente?
Há uma preocupação, principalmente entre ativistas e ONGs, de que o Zimbábue possa estar abrindo um precedente na África que pode incitar outros países africanos a vender elefantes para o estrangeiro. (descubra por quê é tão difícil parar com a exportação de bebês elefantes no Zimbábue).
O ministro Khama disse que Botsuana é terminantemente contra.
“Nós sabemos o que os nossos vizinhos estão fazendo. Gostamos disso? Não! Nós não gostamos disso. Eu certamente não ouvi nenhum outro país pensando na mesma linha.”
“Nós não exportaremos nenhum elefante para lugares onde não são naturalmente encontrados”, Khama continuou. “Por que motivo eu iria submeter uma espécie que vive livre e selvagem a viver confinada em zoológicos? Isso não vai acontecer.”
Tradução: Ana Zinger; Revisão: João Paiva, Teca Franco, Junia Machado. Edição: Junia Machado.
Tradução: Ana Zinger; Revisão: João Paiva, Teca Franco, Junia Machado. Edição: Junia Machado.
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