terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Mente e Movimento

Indo ao encontro dos interesses dos elefantes 
Joyce Poole e Petter Granli

Capítulo IV

O quarto e último capítulo de "Mente e Movimento: Indo ao encontro dos interesses dos elefantes" trata do que é essencial para o bem-estar dos elefantes. 

"Teremos nós o direito de presidir sobre o sofrimento de animais inteligentes, para nosso entretenimento e prazer, estando eles ou não representando seus primos selvagens?" Estas e outras questões que atualmente estão no centro de debates no mundo todo, principalmente nos Estados Unidos, Canadá e Europa, são levantadas nesta importante conclusão. Para ler o documento a partir do capítulo inicial, clique aqui

Conclusão

Elefantes são criaturas vigorosas e inteligentes que se desenvolveram em ambientes físicos e sociais expansivos e complexos. Adaptados a grandes espaços, a contínua procura por comida, água, companheiros e cônjuges envolve movimentos em grande e pequena escala, que, acreditamos, são essenciais a seu bem-estar. Com base em décadas de pesquisa, consideramos que os zoos e circos de hoje estão longe de ir ao encontro dos interesses dos elefantes, sejam machos ou fêmeas. Também não acreditamos que os espaços de exibição de alguns zoológicos, levemente expandidos, e a altos custos, farão alguma diferença significativa. 

É nossa opinião que os interesses dos elefantes em cativeiro só podem ser alcançados em ambientes que:

Figura 6. Elefantes selvagens vivem em uma complexa sociedade de associações e divisões, notável tanto por sua fluidez como pela permanência e proximidade das relações sociais. (Foto: Petter Granli)

  • Permitam o desenvolvimento de relações sociais normais, a formação de famílias (com filhotes), a possibilidade de formarem grupos sociais de associações e divisões, pelo menos em pequena escala, comportamento cooperativo, aprendizado social e interação lúdica;
  • Permitam a escolha de associação e interação entre numerosos parceiros e companheiros;
  • Permitam o comportamento natural de procura por alimento e padrões de atividades;
  • Tornem necessária a perambulação na busca por alimentos variados, parceiros sociais e cônjuges;
  • Inspirem atividades físicas e mentais em todos os aspectos da vida diária.

Durante essa análise, enfatizamos que o espaço é crucial para o bem-estar dos elefantes. Para atender a cada um dos critérios acima, espaço é uma necessidade. E, atendendo a esses critérios, os zoos também irão atender a uma necessidade final: 

  • Assegurar que doenças crônicas e sofrimentos físicos e mentais devidos à falta de movimentação física e estímulo mental jamais ocorram.
Entretanto, definir o espaço mínimo necessário para atender aos interesses dos elefantes é extremamente difícil. Acreditamos que de dois a três grupos familiares sejam necessários para permitir o desenvolvimento das características de associações e divisões. Além dessa quantidade, a “população” deve incluir machos adultos. Para reduzir o problema de cio masculino prolongado, uma hierarquia natural deve ser permitida se estabelecer, e os machos devem ter um mecanismo seguro de retirada. Estimamos que um mínimo de quatro a cinco machos adultos, abrangendo idades desde jovens adultos (15-20 anos) a adultos totalmente maduros (40-50 anos ou mais) devam ser incluídos. Para acomodar uma população de 25-35 ou mais indivíduos e permitir uma natural procura por alimento e comportamento social, acreditamos que 50-70km² (2km²/indivíduo) de terreno e habitat variados seja uma indicação do espaço necessário.

Supondo que tal cenário seja aceitável, alguns desses grandes zoos de elefantes poderiam ser localizados nas zonas climáticas mais quentes dos EUA e da Europa. As “populações” seriam compostas de elefantes vindos de zoos existentes ou de circos, porque a captura e a importação de elefantes de seu habitat natural é inaceitável. Uma vez estabelecida uma população, a transferência de fêmeas e filhotes para outras instalações seria altamente indesejável, devido ao potencial trauma infligido pela ruptura de vínculos sociais. 

Com base no nosso conhecimento sobre o comportamento social dos elefantes está a  firme crença de que não é possível um elefante fêmea ter qualidade de vida sem a presença de filhotes. Temos uma forte preocupação a respeito de questões éticas envolvendo a reprodução em cativeiro e suas consequências a longo prazo. Qualquer grande instalação que mantenha uma população de elefantes funcionando naturalmente, com mortalidade e reprodução naturais, provavelmente experimentará um acréscimo no número de habitantes, e, sendo a exposição de natureza de confinamento, teria de sofrer uma intervenção para manter um tamanho apropriado da população. O abate com objetivos de controle populacional é extremamente controverso (Owen-Smith, Kerley, Page, Slotow et al., 2006). O abate de elefantes nos Estados Unidos ou na Europa seria eticamente inaceitável, assim como a transferência de indivíduos (particularmente fêmeas e filhotes) de uma instalação para outra. Controle de fertilidade, apesar de possível, provavelmente causaria uma queda extrema na porcentagem de nascimentos, uma vez que o esperado é que a a mortalidade nessas instalações seja pequena. 

A questão da reprodução em cativeiro é tão problemática que a maioria dos proponentes do bem-estar dos elefantes é de opinião que nenhuma reprodução deve  ocorrer. Claramente uma política de não reprodução em cativeiro conduziria a uma eventual extinção de elefantes cativos fora de seu habitat natural. Se é uma coisa boa ou ruim, depende de quem você escuta, e não está dentro do âmbito deste ensaio. Concluímos meramente colocando as seguintes perguntas: Teremos nós o direito de presidir sobre o sofrimento de animais inteligentes, para nosso entretenimento e prazer, estando eles ou não  representando seus primos selvagens? O quanto de sofrimento físico e mental de elefantes é tolerável, em troca de uma medida em prol da conservação da espécie? E é aceitável educar o público e prevenir a extinção de elefantes selvagens mantendo várias centenas deles em  vergonhosos espaços confinados? 

Agradecimentos

Agradecemos o Gabinete do Presidente do Quênia pela permissão para trabalharmos no Parque Nacional do Amboseli, o Kenya Wildlife Service por patrocínio local e a Amboseli Trust for Elephants por décadas de trabalho científico em equipe e suporte logístico. A participação na conferência e a criação deste documento foram possíveis pelo suporte da Amboseli Trust for Elephants, a RSPCA e o Phoenix Zoo. Agradecemos aos nossos colegas da Amboseli Trust for Elephants e Lisa Kane e Debra Forthman pelos comentários que fizeram sobre o manuscrito. Somos gratos à Tufts University Cummings School of  Veterinary and Medicine’s Center for Animals and Public Policy e à Coalition for Captive Elephants Well-Being por sediarem o encontro no qual baseia-se este volume, e aos patrocinadores do congresso (Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals, Gary Fink, Phoenix Zoo, American Society for the Prevention of Cruelty to Animals, North Carolina Zoo e Oackland Zoo). Agradecimentos especiais a Paul Waldau, Lisa Kane e Debra Forthman pela organização. 

Tradução, revisão, edição: Ana Zinger, João Paiva, Teca Franco, Junia Machado.

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Elefantes são capazes de aprender comunicação vocal

Inesperadamente, dois animais inventam sons como uma forma surpreendente de comunicação social

Existem algumas espécies de mamíferos que conseguem modificar suas vocalizações em resposta a suas experiências auditivas. Por exemplo, assim como os pássaros às vezes fazem, alguns mamíferos marinhos utilizam imitação vocal como uma forma de anúncio de que estão disponíveis para reprodução. Aqui descrevemos dois exemplos de imitação vocal feita pelo Elefante Africano de Savanna, Loxodonta africana, um mamífero terrestre que vive em uma sociedade complexa de cisão e fusão. Nossos achados favorecem um papel para a comunicação vocal que já foi previamente proposto para primatas, aves, morcegos e mamíferos marinhos: comunicação vocal é uma forma útil de comunicação acústica que ajuda a manter laços entre inidivíduos em grupos sociais em mutação. 




©ElephantVoices

No primeiro caso, gravamos imitações de som de caminhão feitas por Mlaika, uma elefanta  Africana adolescente de 10 anos que vive em um grupo de elefantes órfãos em semi-liberdade em Tsavo, no Quênia. Às vezes era possível escutar caminhões do estábulo onde Mlaika passava a noite, que ficava a 3km da auto-estrada Nairobi-Mombassa. Mlaika emitia sons parecidos com os de caminhões por várias horas depois do pôr do sol, que é o melhor horário para a transmissão de sons de baixa frequência nas savanas Africanas.

Comparações da duração e da frequência fundamental mínima e máxima mostram que as imitações de som de caminhão feitas por Mlaika são diferentes dos sons normalmente feitos por elefantes africanos adultos, adolescentes e filhotes. Os sons feitos por Mlaika não diferem significativamente dos sons feitos por caminhões de verdade. Dez amostras do conjunto de dados apropriados foram escolhidas ao acaso para comparar os sons feitos por Mlaika com os sons de caminhões. A média individual dos três parâmetros acústicos dessas chamadas também mostram que os sons feitos por Mlaika diferem de chamados normais feitos por elefantes africanos e também que são similares às gravações de sons feitos por caminhões. As chamadas parecidas com sons de caminhões feitas por Mlaika não são mais parecidas com os sons gravados em um horário do que em outros, sugerindo que Mlaika usou características gerais dos sons feitos por caminhões como modelo.

Um segundo caso de imitação feita por um elefante africano envolve o chilrear que é tipicamente produzido por elefantes asiáticos, Elephas maximus, mas não por elefantes africanos. Calimero é um elefante africano macho de 23 anos que viveu durante 18 anos com duas elefantas asiáticas no zoológico de Basel, na Suíça. O espectrograma na figura 1c mostra a típica série de chilros feita por uma das elefantas asiáticas e a figura 1d mostra o chilro similar feito por Calimero, que raramente produz outros sons. Usando a mesma análise estatística que foi aplicada no caso de Mlaika, descobrimos que os chilros de Calimero não são significativamente diferentes em duração dos chilros feitos pelas elefantas asiáticas e diferem em todos os parâmetros dos sons feitos por elefantes africanos adultos, adolescentes e filhotes. Uma escala multidimensional confirma que os sons feitos por Calimero são diferentes dos sons normais feitos por elefantes africanos e são parecidos com os chilros feitos por elefantes asiáticos. 



Fig 1. Espectogramas mostrando exemplos de modelos e imitações de sons por dois elefantes Africanos, 
Mlaika e Calimero. a, som de um caminhão à distância, gravado do estábulo de Mlaika; b, o som emitido por
Mlaika imitando o caminhão; c, chilros emitidos por elefantas Asiáticas vivendo em cativeiro com Calimero, 
e d) os chamados tipo "chilros" emitidos por Calimero. 

Fig 2. Imitações feitas por Mlaika e Calimero. As imitações de Mlaika (triângulos verdes) são
parecidas com o som de caminhões (triângulos azuis claros) e diferentes de suas vocalizações normais (triângulos amarelos), que são parecidas com os sons emitidos por outros elefantes africanos (símbolos azuis marinhos: estrelas, fêmeas adultas; diamantes, machos adultos; quadrados, filhotes fêmeas; hexágonos, filhotes machos). Calimero faz sons como chilros (círculos rosas) parecidos com os chilros das elefantas africanas que viviam com ele (círculos vermelhos). a, gráfico de frequência versus duração de dez chamados de cada tipo. b, escala multidimensional de meios para cada fonte em a, sem contar os sons tipo chilros. c, escala multidimensional de chilros próprios de nove elefantas asiáticas e os chamados tipo chilros de Calimero. Os valores representam diferentes combinações de características acústicas.


A evolução de imitação vocal em seres humanos, algumas espécies de aves, morcegos e golfinhos talvez possa ser resultado da necessidade de usar sinais acústicos para manter laços específicos com indivíduos quando os animais se separam e se reúnem. Se for assim, então o aprendizado vocal deveria ocorrer em outras espécies em que laços sociais de longa duração se baseiam em relações individuais específicas, envolvem grupos onde há constante mudança de membros e onde a comunicação vocal é usada para manter contato e para o reconhecimento do grupo e de indivíduos. Nossa descoberta de que um elefante africano da savana imita os sons feitos por elefantes asiáticos com quem ele viveu segue um padrão comum visto em espécies que são capazes de aprendizado vocal, em que sons convergem conforme os animais formam laços sociais. 

O aprendizado vocal permite um sistema de comunicação aberto e flexível, em que animais talvez possam aprender a imitar sinais que não são típicos de suas espécies, como foi demonstrado pelo elefante africano que imita caminhões. Para nosso conhecimento, essa descoberta em elefantes é o primeiro exemplo de imitação vocal em uma espécie de mamífero terrestre que não é um primata. Isso fortalece a idéia de que existe uma pressão de seleção primária para aprendizado vocal que envolve as demandas de comunicação na manutenção de relações sociais em sociedades fluídas.

Joyce H. Poole (ElephantVoices), Peter L. Tyack, Angela S. Stoeger-Horwath, Stephanie Watwood


Saiba mais sobre o aprendizado vocal dos elefantes. Leia a incrível história de Koshik, o elefante que vive em um zoo coreano e que fala como humanos.

Leia também "A Comunicação Acústica dos Elefantes". 

Link para o artigo original, "Elephants are capable of vocal learning", e outros artigos científicos da ElephantVoices.

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