domingo, 27 de janeiro de 2013

O cabo de guerra sobre os elefantes: A história da transferência do Zoo de Toronto

Publicado em 19 de Janeiro de 2013

Amy Dempsey / Toronto Star 



Iringa, na frente, e Toka estavam entre os primeiros elefantes a chegar ao Zoo de Toronto em 1974. Já se passaram 15 meses desde que a Câmara Municipal votou pelo envio dos três elefantes de Toronto a um santuário na Califórnia, mas eles continuam em seu recinto. As correntes ao redor de seus tornozelos fazem parte do treinamento para a grande mudança, agora planejada para abril.
(
AMY DEMPSEY/THE TORONTO STAR)

De um mirante na Savana Africana do Zoo de Toronto, uma mãe e uma criança estão observando Iringa, Thika e Toka caminhando em círculos, no frio.

“Mamãe”, questiona o pequeno, “por que os elefantes têm correntes em seus pés?”

“Porque, em breve, eles irão embora daqui.”

Os braceletes de correntes, presos em volta de seus grossos e enrugados tornozelos, fazem parte do treinamento para a sua grande mudança para o sul. Os elefantes os têm usado diariamente, desde janeiro de 2012. 

“Quando eles vão embora?”, quer saber a criança.

Boa sorte para quem tentar responder a esta pergunta. Uma pergunta melhor: Por que isso está demorando um tempo tão longo?

Turbulentos 15 meses se passaram desde que o conselho da Câmara Municipal de Toronto votou, pela primeira vez, pelo envio dos idosos elefantes do Zoo de Toronto para o Performing Animal Welfare Society (PAWS), um santuário de animais na Califórnia, que recebe elefantes que se aposentam de zoos e circos. 

E mesmo assim as “senhoras” ainda continuam no limbo, arrastando-se em volta do mesmo pequeno recinto que chamam de lar, muito antes que o debate sobre seu futuro eclodisse em ofensas, insultos e acusações desenfreadas; antes que os elefantes precisassem de advogados e de sua própria equipe de relações públicas; antes que terminasse nosso estoque de piadas sobre transporte de elefantes; antes que Bob Barker chegasse.

A bizarra saga não se resume ao trio de Toronto. 

Iringa, Thika e Toka são parte de uma batalha maior, que tem sido travada em cidades através da América do Norte durante a última década, conforme os elefantes foram tomando a posição central no que muitos estão chamando de crise de identidade dos zoológicos. 

Face às crescentes críticas sobre bem-estar animal, a indústria dos zoológicos promoveu uma campanha para levar o público a acreditar que elefantes prosperam em zoológicos, quando há cada vez mais evidências apontando o contrário.

Muitos especialistas em elefantes acreditam que santuários — com seus vastos espaços abertos e habitats naturais que imitam, de um modo muito parecido, a natureza selvagem — fornecem um padrão de cuidados muito melhor aos paquidermes. A indústria dos zoológicos não aceita isso.  

“Os zoos Americanos estão em um estado de negação quanto à manutenção de elefantes”, diz o Dr. Benjamin Beck, ex-diretor do Zoo Nacional de Washington, D.C., e especialista no manejo e bem-estar psicológico de animais em zoológicos. “Eles estão tão convencidos de que podem manter elefantes eficazmente, que simplesmente estão, penso eu, negando os fatos.”

Com a decisão do conselho da Câmara Municipal de Toronto de enviar os elefantes para o santuário PAWS reafirmada recentemente, o Zoo de Toronto está trabalhando com a primavera como data limite para seu envio.  nos bastidores, porém, há evidências de que alguns tratadores e patrocinadores do zoológico ainda estão debatendo maneiras de colocar obstáculos no processo, e rumores de que algumas pessoas não têm intenção de cooperar com um plano do qual, fundamentalmente, discordam. Chegará ao fim a saga dos elefantes de Toronto?

A resposta reside em uma questão mais complicada: Como foi que isso aconteceu?

Numa fria manhã de Novembro de 2009, os tratadores do zoo de Toronto encontraram Tara, a matriarca de 41 anos do grupo de paquidermes formado totalmente por fêmeas, deitada sobre um de seus lados na casa dos elefantes, impossibilitada de se levantar. Pode ser perigoso para os elefantes deitar-se dessa maneira por longos períodos, devido à pressão causada em seus órgãos internos. A despeito das tentativas da equipe do zoo de reabilitar Tara, ela morreu. Uma autópsia foi inconclusiva, mas sua morte  — a quarta fatalidade entre os elefantes em quatro anos, no zoológico — deu início a um bombardeio de críticas de grupos de defesa dos direitos dos animais.

O zoo ficou com apenas três elefantas idosas — o número mínimo recomendado pelos padrões da indústria dos zoológicos para essas criaturas altamente sociáveis — e um dilema sobre mudanças em sua estratégia. A administração teria que decidir se investiria dezenas de milhares de dólares na expansão de sua exibição de elefantes ou se encontraria uma nova casa para Iringa, Thika e Toka.


Toka tem 43 anos de idade e é considerada a mais passiva dos três elefantes do zoo de Toronto. Já houve 12 elefantes no zoo desde sua abertura, em 1974. (CARLOS OSORIO/TORONTO STAR)       
 
O Zoo de Toronto já foi a casa de 12 elefantes desde que foi inaugurado, há  40 anos. Sete morreram, no decorrer dos anos, e dois foram transferidos. As três elefantas remanescentes vivem juntas num pequeno pedaço de terra  de menos de um hectare (1 hectare equivale a 10.000 metros quadrados) — um espaço que muitos especialistas em elefantes julgam ser pequeno. Iringa e Toka, capturadas em Moçambique durante uma repulsiva eliminação de elefantes, estavam entre os primeiros paquidermes a chegar ao zoo, em 1974. Iringa, agora com 44 anos, é conhecida por ser dominante e excepcionalmente inteligente. Toka, de 43, é passiva e agradável. Thika, de 33, tem a distinção de ter sido o primeiro elefante Africano a nascer num zoo americano, e é conhecida por ser mimada, como se fosse, ao mesmo tempo, uma criança adorável e mal-educada. 


Iringa é a elefante dominante entre o trio de paquidermes do Zoo de Toronto. Ela chegou em 1974 após ser capturada em Moçambique, junto com Toka. (CARLOS OSORIO/TORONTO STAR)     
 

Desde os primeiros dias do negócio de exibição de animais, quando o panorama de um zoológico sem elefantes era inimaginável, a maioria dos principais especialistas em elefantes no mundo e um crescente número de profissionais do setor passaram a acreditar que a maioria dos zoos não atendia às necessidades biológicas dos elefantes, especialmente em climas mais frios, onde são forçados a ficar em pequenos espaços internos, por várias semanas de cada vez. 

De acordo com as informações resultantes de extensos estudos que surgiram durante a década passada, cientistas aprenderam que elefantes são criaturas altamente inteligentes, emocionais, que precisam de uma grande quantidade de estímulos para prevenir que se aborreçam. Eles têm o objetivo de buscar alimentos e de perambular em grandes manadas, formando vínculos sociais com outros elefantes de sua escolha. Elefantes em cativeiro sofrem de um número de doenças habituais, que incluem enfermidades nas patas e artrite, por caminharem em superfícies duras, herpes, tuberculose e estresse emocional.

O problema é que elefantes são um grande chamariz para os zoológicos, além de, há muito tempo, serem um símbolo de status e peças -chave num debate ideológico com alguns grupos de defesa dos direitos dos animais que são contra a manutenção de animais em cativeiro. 

Muitos especialistas acreditam que a indústria dos zoológicos — liderada pela poderosa Associação de Zoos e Aquários, uma organização comercial  sediada nos Estados Unidos e que estabelece padrões para seus membros — opera na crença de que os elefantes representam uma linha na areia, que, se transposta, poderia abrir a porta para a perda de outros animais e, no final das contas, levar os zoológicos ao fim. 

“Se os zoos se recusarem a reconhecer que não podem atender adequadamente às necessidades dos elefantes nos pequenos espaços que disponibilizam, acredito que estarão se abrindo para críticas muito mais duras no futuro”, afirma David Hancocks, um ex-diretor de zoo conhecido mundialmente e coeditor do livro Um Elefante na Sala: A Ciência e o Bem-estar dos Elefantes em Cativeiro.

A AZA elevou seus padrões para elefantes, face às novas pesquisas e ao crescente criticismo, mas especialistas afirmam que os padrões são ainda excessivamente baixos. Elevá-los ainda mais e de modo muito rápido forçaria a maioria dos zoos membros a dispender dezenas de milhares de dólares para atender aos requerimentos da manutenção de elefantes. 

Uma recente série de reportagens publicada no Seattle Times, de autoria de um jornalista investigativo, ganhador do Prêmio Pulitzer, sugere que elefantes estão morrendo nos zoos americanos. 

Para cada elefante nascido em um zoo americano credenciado, outros dois, em média, morrem, descobriu o jornal, em uma análise das mortes desde 1962. A taxa de mortalidade entre elefantes bebês nos zoos americanos representa o triplo da que ocorre na natureza, descobriu a investigação. A AZA opõe-se à análise, dizendo que não se consideram os avanços nos padrões de cuidados durante as várias últimas décadas. A associação tem criticado persistentemente pesquisadores e especialistas que sugerem que os elefantes de zoos vivem vidas mais curtas que seus congêneres, na natureza, e, baseada em suas próprias análises, conclui que ambos têm um tempo de vida similar.  

Na década passada, a AZA fez grandes esforços para combater o criticismo sobre elefantes em cativeiro e virar a história a favor de seus membros. A atual estratégia para os elefantes, da associação, foi traçada em 2005, durante um encontro privado de representantes dos zoológicos credenciados pela AZA, na Disney World, na Flórida, onde estiveram diretores do Zoo de Toronto, do Granby Zoo de Quebec e do Zoo de Calgary, entre outros.

Documentos discutidos durante o encontro, obtidos em primeira mão pelo Seattle Times, revelam que a AZA reconheceu que sua população de elefantes nos zoos havia declinado a níveis decisivos e que se tornaria insustentável, a não ser que os zoos membros acelerassem seus programas de reprodução de elefantes. Para gerenciar a crise, os representantes concordaram em falar e agir como uma “única voz” sobre todos os assuntos relacionados a elefantes — divergências públicas não seriam permitidas — e  divulgar que as populações de elefantes nos zoos credenciados pela AZA estavam “prosperando”. Defensores dos direitos dos animais que discordassem de sua visão seriam rotulados de “extremistas” antizoológicos. 

Dois anos depois, a AZA e a empresa de comunicação por ela contratada para administrar a crise dos elefantes ganharam um prêmio de relações públicas por virar a opinião pública a seu favor. 

Profissionais de zoológicos canadenses que participaram do encontro de 2005 dizem que não havia nada de enganoso sobre a estratégia para elefantes e que os planos para o futuro foram traçados tendo em mente os melhores interesses dos elefantes. O porta-voz da AZA, Steve Feldman, disse que a  campanha de relações públicas foi um “esforço efetivo” para defender seus membros de “falsas acusações” e “ataques de extremistas de defesa dos direitos dos animais”.

Mas não demoraria muito para que os zoos estivessem novamente sob fogo cruzado.

Quer você ame ou odeie (o ex-apresentador de TV americano) Bob Barker, é justo dizer que as coisas ficaram extraordinárias quando o homem com o largo sorriso da TV, o bronzeado da Califórnia e o impactante cabelo branco chegou à cidade. Em Abril de 2011, quando a cidade estava mobilizada  em torno de uma decisão há muito tempo esperada sobre o futuro dos elefantes, o ex-apresentador de programas de TV e ativista dos direitos dos animais encontrou-se com os conselheiros da cidade de Toronto e expôs seus argumentos no grande debate. “Eles estarão muito mais saudáveis em um santuário”, disse ele à cidade.


Os três elefantes do Zoo de Toronto - a partir da esquerda, Toka, Thika e Iringa - têm estado no centro de uma batalha, que já dura 15 meses, sobre onde deveriam viver o restante de suas vidas. (CARLOS OSORIO/TORONTO STAR)       

Barker ofereceu seus próprios fundos para levar os elefantes de Toronto para o santuário PAWS, uma promessa que eventualmente o levaria a um compromisso de US$ 880.000,00. Alguns chegaram a ressentir-se de seu envolvimento, argumentando que os conselheiros e o público seriam influenciados por essa celebridade, em vez de pelos fatos. 

Algumas semanas depois da visita de Barker, o diretor-executivo do Zoo de Toronto, John Tracogna, enviou um relatório feito pela equipe do zoo, cuidadosamente redigido, ao conselho administrativo. Dado o montante necessário para reformar a instalação dos elefantes — cerca de US$16.5 milhões — e os custos futuros de sua operação, de aproximadamente US$ 1 milhão por ano, o relatório concluía que o preço de se manter elefantes era muito alto para um zoo sem recursos. 

Numa seção intitulada “Bem-estar Animal”, o relatório salientava que a decisão era de caráter financeiro e não uma admissão de que elefantes não podem viver em zoológicos. “Consequentemente”, declarava o relatório, “a  recomendação de interromper o programa de elefantes do Zoo de Toronto não é uma questão ética.” A declaração contrasta com a posição tomada por diretores de alguns zoos — como os de Calgary e Detroit, para citar dois — que romperam com a “única voz” da AZA e declararam publicamente que suas decisões de acabar com as exibições de elefantes foram tomadas para bem-estar dos mesmos. LINK  

O relatório de Tracogna prosseguia dizendo que a equipe do zoo trabalharia com o grupo de aconselhamento da AZA para encontrar um local para os paquidermes de Toronto. “Deve ser enfatizado”, notificou ele ao conselho, “que a AZA ... recomendará que nossos elefantes sejam transferidos apenas para uma instalação credenciada pela AZA”.

Nos dias que antecederam a reunião do conselho na qual o futuro dos elefantes seria votado, a AZA e uma associação intimamente ligada a ela, a Zoos e Aquários Credenciados do Canadá, escreveram suas próprias apelações. “A única maneira de se assegurar que esses elefantes recebam o nível mais alto de cuidados é enviá-los a uma instalação credenciada pela AZA”, afirmou a diretora -executiva da associação, Kristin Vehrs, em uma carta enviada em 10 de Maio ao conselho. “Zoos não credenciados e instalações particulares de elefantes” — “os chamados santuários,” acrescentou ela — “não são uma alternativa apropriada.”

A discordância entre zoos e santuários se origina de uma colisão de dois sistemas fundamentais de pensamento. Zoos conduzem pesquisa, patrocinam e participam de programas de conservação e cobram pela admissão de pessoas que queiram ver suas coleções de animais. Santuários, como o PAWS, operam como lares de aposentadoria para animais idosos e doentes, e mantêm seus elefantes, na maior parte do tempo, fora do alcance dos olhos do público. Mas a questão fundamental que separa os dois lados diz respeito à reprodução. A indústria dos zoológicos, liderada pela AZA, reproduz seus paquidermes como um esforço para criar uma população autossustentável para as coleções dos zoos da América do Norte. O santuário PAWS é contra a reprodução de elefantes em cativeiro.

Uma reunião do conselho de administração do Zoo de Toronto, em 12 de Maio de 2011, reuniu em uma sala membros da equipe do zoo e representantes da AZA juntamente com a Zoocheck Canada — uma organização de defesa dos direitos dos animais sediada em Toronto, que passaria a ter um papel -chave na transferência dos elefantes — e representantes do santuário californiano PAWS.


Ed Stewart, cofundador do Santuário PAWS (Performing Animal Welfare Society).(RICK MADONIK/TORONTO STAR) 

       
Ed Stewart, cofundador do PAWS, tentou defender seu santuário, que havia sido descrito pela equipe do zoo, conselheiros e repórteres como uma instalação “não credenciada”, mesmo sendo ela credenciada pela Federação Global de Santuários de Animais. O santuário PAWS nunca teve como objetivo um credenciamento pela AZA, Stewart tentou explicar, porque não é um zoo ou um aquário. 

A mensagem de Stewart não foi transmitida.

“Quando eu me aposentar e meus filhos estiverem decidindo o que fazer comigo, quero ir para uma casa de descanso licenciada”, disse Paul Ainslie,  vice-diretor do zoo e conselheiro da cidade, na reunião.

Ao término, o conselho do zoo votou por fechar a exibição de elefantes e enviar Iringa, Thika e Toka a um zoo credenciado pela AZA, como recomendado pela equipe do Zoo de Toronto e pela AZA. Um santuário somente seria considerado se não pudesse ser encontrada uma instalação credenciada, o que os representantes mencionaram ser improvável.

Passava de 22h do dia 25 de Outubro de 2011, quando a conselheira da Cidade de Toronto Michelle Berardinetti levantou-se, na câmara municipal, e apresentou uma moção -surpresa recomendando o envio dos elefantes para o santuário PAWS.

Seis meses haviam se passado desde a decisão do conselho de administração do zoo, o inverno estava se aproximando rapidamente e o Zoo de Toronto ainda não havia chegado a um plano viável, apesar de circularem  comentários de que representantes do zoo estavam conversando com uma instalação credenciada pela AZA nos Estados Unidos que estava querendo pegar os elefantes. A moção de Berardinetti iria arruinar aquele plano.

Argumentando que se livrar dos elefantes agora poderia fazer com que a cidade economizasse dinheiro e sugerindo que mais um inverno no zoo talvez resultasse em mais um elefante morto, o conselheiro Scarborough Southwest fez um pronunciamento emocionado aos colegas. A moção para enviar os elefantes ao santuário PAWS foi aprovada por 31 votos a 4 —  e foi quando a você-sabe-o-quê foi jogada no ventilador. 

Os tratadores do zoo ficaram perplexos. “Políticos da Cidade permitiram que um grupo de defesa dos direitos dos animais tirasse meu direito de ter a palavra sobre onde os elefantes dos quais cuidei por 16 anos passarão suas vidas”, escreveu Vernon Presley, chefe dos tratadores dos elefantes do zoo, no Facebook. “EU MERECI ISSO, VOCÊS NÃO!!!”
Outro funcionário do zoo escreveu que os conselheiros da Cidade eram “idiotas” que “não tinham a menor ideia sobre o que estavam falando”.

O conselheiro Glenn De Baeremaeker chamou a reação de “campanha de guerrilha” por uma “equipe perniciosa”. Ele e Berardinetti enfatizaram que o conselho tinha autoridade para tomar a decisão das mãos do zoo, por serem os elefantes propriedade da cidade. Alguns tratadores de elefantes e outros defensores do zoológico acusaram os conselheiros de serem “marionetes” sob o controle da “ARAs” — ativistas dos direitos dos animais.

Em meados de Novembro de 2011, os tratadores apresentaram uma petição ao conselho da cidade com 1.100 assinaturas, pedindo permissão para que “os especialistas do Zoo de Toronto” continuassem sua pesquisa e decidissem qual instalação seria a melhor para os elefantes”. Os Conselheiros enfrentaram muitas críticas pela moção -surpresa, mas tinham a vantagem de terem a seu lado alguns dos mais importantes especialistas do mundo em elefantes, incluindo Cynthia Moss, Joyce Poole e Keith Lindsay.

Lindsay, ecologista especializado em elefantes na Amboseli Trust for Elephants em Nairobi, no Quênia, escreveu ao conselho para oferecer sua visão de que santuários são as únicas instalações na América do Norte com condições que se aproximam das que os animais experimentam na natureza, “enquanto que nenhum zoo, credenciado ou de outro tipo, faz isso no momento”. Seus colegas concordaram.

Tratadores de zoológicos têm uma visão que sempre é colorida por “questões de tradição e status”, escreveu Peter Stroud, um ex-tratador e ex-diretor de zoológico.

“Que eles certamente sentem um poderoso dever de responsabilidade, não há dúvida. Mas que estão em posição de sempre saber o que é certo e melhor para seus animais, é evidentemente falso.”

Conforme se travava o debate, Ed Stewart viajou a Toronto com o veterinário do santuário PAWS para conhecer Iringa, Toka e Thika — uma visita planejada em acordo com a direção do conselho do Zoo de Toronto. Mas, quando chegou, o diretor-executivo do zoo lhe disse que aquela não era uma boa hora para ver os elefantes, afinal. As emoções estavam à flor da pele, e Tracogna ponderou que não sabia como a equipe iria reagir se visse Stewart lá.

Em meados de Dezembro de 2011, entre as crescentes críticas sobre o comportamento inadequado dos tratadores enfurecidos e acusações de atrasar o processo, o zoo convocou uma conferência de imprensa. Tracogna disse ao público que lamentava os “comentários inapropriados” postados no Facebook por membros de sua equipe que se opunham à mudança e afirmou que o zoo estava cooperando totalmente com o santuário PAWS nas preparações para a transferência dos elefantes. Foi definida, como data limite para a partida, começo da primavera. Essa seria a primeira de muitas.


John Tracogna, CEO (executivo chefe) do Zoo de Toronto. (BERNARD WEIL/TORONTO STAR)       

Quando a neve começou a cair em 2012, três contêineres para a viagem, capazes de abrigarem elefantes, chegaram a Toronto. Tudo parecia estar caminhando.

Nos bastidores, entretanto, os relacionamentos estavam se deteriorando,  conforme o zoo começava a investigar o que seus representantes chamaram de “problema de tuberculose” no santuário PAWS. Durante toda a primavera, o santuário PAWS alegou que a equipe do zoológico encarregada de realizar a investigação a tinha transformado numa “caça às bruxas”, enquanto o zoo reclamava que o santuário não estava apresentando as informações.


Os contêineres para elefantes serão usados para levar os paquidermes de Toronto para o Santuário PAWS, na Califórnia. (RENE JOHNSTON/TORONTO STAR)       

Em Abril, semanas antes do prazo estabelecido para a partida dos elefantes, a AZA revogou a credenciação do Zoo de Toronto, desencadeando uma nova onda de críticas sobre a decisão do conselho da Cidade. A associação foi rápida em afirmar que a decisão nada tinha a ver com sua posição sobre santuários e que fora tomada porque o voto do conselho infringira suas regras de administração, que estabelecem que decisões sobre coleções de animais devem ser tomadas por tratadores.  

No entanto, pessoas de dentro da indústria dos zoos acreditam que o movimento tenha sido um sinal de alerta para outros zoos que estivessem considerando enviar seus elefantes a santuários. “Foi uma clara manobra política”, afirma David Hancocks, que, durante muito tempo, foi diretor de zoo. “E isso é tudo o que significou.”

Em Maio, o santuário PAWS recebeu uma solicitação pouco comum do zoológico: um relatório sobre os níveis de tuberculose em toda a vida selvagem encontrada nos limites de seus 930 hectares, incluindo cervos e gatos vadios. A lista de pretensões do zoológico ficou muito acima e foi além das solicitações do acordo legal entre o PAWS e o zoo. “Nenhuma solicitação como essa jamais foi feita a nós — ou a qualquer outro”, afirmou um enfurecido Ed Stewart. Em um encontro a portas fechadas, um representante veterano do zoo até sugeriu que a coproprietária do PAWS, Pat Derby, poderia ter, ela mesma, tuberculose.

Em Setembro, o zoo faria uma conferência de imprensa para anunciar que seria prorrogada a transferência dos elefantes até 2013, devido a “sérias preocupações” sobre tuberculose no santuário. 

Os apoiadores do santuário PAWS disseram que esse movimento foi feito para desviar as atenções, mas as preocupações foram suficientes para persuadir o conselho do zoo a consultar o comitê executivo da cidade sobre a transnferência dos elefantes — uma vitória para a equipe do zoo e seus apoiadores. O Conselho da Cidade teria que votar novamente.

Nas preparações para a votação, membros da equipe do zoo pareciam confiantes em que o conselho faria o que eles achavam que fosse a coisa certa. “Esperando que finalmente possamos tomar um fôlego... deixem a verdade prevalecer, por favor!”, escreveu a tratadora de elefantes Heather Kalka no Twitter.

Ficariam desapontados. Em 27 de Novembro, o conselho reafirmou sua decisão, votando, por 32 a 8, pelo envio dos elefantes ao santuário PAWS.


O Santuário PAWS está localizado no sopé das montanhas de Sierra Nevada, em San Andreas, Califórnia. É a casa de oito elefantes, e de também de tigres, ursos e leões. (DETROIT FREE PRESS)

A orelha de Iringa se move delicadamente ao vento do inverno, enquanto ela se balança de um lado para o outro no recinto dos elefantes, deslizando  levemente sua tromba pelo piso conforme desloca seu peso de um lado para o outro. A temperatura está apenas um pouco acima de 5º C, o que significa que hoje os elefantes têm permissão para ficar do lado de fora. Conforme se embala, Iringa encara inexpressivamente os poucos visitantes que vieram vê-la. Seu movimento é uma dança medíocre, lenta e ritmada. Triste, alguns poderiam dizer. Na realidade, um punhado de  visitantes faz essa observação durante o período de uma hora, em uma tarde de um dia de semana, em Janeiro: Ela parece triste.

Ecologistas especializados em elefantes dizem que esse movimento de embalar é um sinal de estresse psicológico, observado com frequência em elefantes em cativeiro. Mas até mesmo essa conclusão é política. Para alguns, sim, Iringa parece triste. Outros argumentariam que talvez não possamos interpretar os pensamentos de um elefante. Talvez ela esteja feliz, e nós, simplesmente, não entendemos isso. Talvez ela esteja tendo um dia ruim. Talvez ela esteja doente por estar no centro de uma história interminável.

“Não estou olhando para o passado”, disse Tracogna numa entrevista recente. “Estou olhando para a frente.” 

Esta é a mensagem oficial do zoológico: A orientação do conselho de levar os animais para o santuário PAWS será seguida, e uma nova equipe de transferência está trabalhando diligentemente, com a data limite estabelecida para a primavera. “Elefantes foram um capítulo na história do zoo, como muitos outros capítulos que escrevemos antes” disse o diretor-executivo. Em outras palavras, é hora de seguirmos em frente.

Mas será que esta nova equipe vai deixá-las ir? Fará isso?

Em uma página privada do Facebook na qual os patrocinadores do Zoo de Toronto e alguns tratadores compartilham informações e publicam suas queixas, tem havido discussões relativas ao registro de uma reclamação junto à OSPCA sobre o plano de transferência ou a procura de uma “interferência federal”. 

No mês passado, uma semana antes do Natal, uma desanimada trupe de funcionários do Zoo de Toronto participou de uma reunião do conselho administrativo.

Como é a norma quando os elefantes estão em pauta, as emoções estavam à flor da pele. Num certo ponto, o Conselheiro De Baeremaeker repreendeu um antigo funcionário do zoo por estar “atrapalhando”. 

Mais tarde, numa página pública do Facebook gerenciada por alguns tratadores de elefantes e seus apoiadores, a tratadora Alison Babin compartilhou as últimas notícias.

“Elefantes de Toronto se preparam para a partida em Abril” dizia a manchete do  artigo que ela postou. 

Em alguns minutos, um membro da facção anti-PAWS respondeu: “Ou não”.  

Mortes de elefantes

Sete elefantes morreram no Zoo de Toronto desde 1984. Em 2008, a Zoocheck Canada obteve os resultados das necrópsias do zoo:
  • TW, 2 dias de idade, morreu em 1984 devido a problemas de estômago e intestino. 
  • Tantor, 20, morreu em 1989 por falência cardíaca, após uma cirurgia para extração de uma presa infeccionada.  
  • Toronto, 10, morreu em 1994 por excesso de toxinas no sangue.
  • Patsy, 39, sofreu eutanásia em 2006, devido a uma dor crônica causada por artrite e infecções nas patas. 
  • Tequila, 38, encontrada caída numa cerca elétrica em 2008. O relatório da necrópsia foi inconclusivo. 
  • Tessa, 40, morta em 2009. Ela foi lançada contra uma cerca elétrica depois de ser acertada por um outro elefante durante uma luta por feno. O  relatório da necrópsia indicou que ela morreu devido a tentativas de levantá-la e a uma síndrome crônica e devastadora.
  • Tara, 41, morreu depois de cair, em 2009. Ela tinha uma artrite severa nas articulações de ambas as pernas traseiras, o que tornou difícil para ela se levantar. 

Link para o artigo original.


A opinião da ElephantVoices

Estamos convencidos de que os elefantes do Zoológico de Toronto terão uma vida muito melhor no Santuário PAWS e esperamos que as duas sábias e esmagadoras votações da Câmara Municipal de Toronto sejam suficientes para deixá-los ir quando o clima ficar um pouco mais quente.

O número de zoológicos abrindo mão de seus elefantes tem crescido nos últimos tempos. Muitos estão questionando se os zoológicos podem atender às demandas extraordinárias desses seres também extraordinários. Leia aqui "Mente e Movimento - Indo ao Encontro dos Interesses dos Elefantes", escrito por Joyce Poole e Petter Granli (ElephantVoices), que é primeiro capítulo do livro mencionado na reportagem do Toronto Star - "Um Elefante na Sala: A Ciência e o Bem-estar dos Elefantes em Cativeiro" e saiba por quê. 


O debate sobre zoológicos no Brasil 

No Brasil, também se discute a situação dos animais em zoológicos. Leia o artigo "Deputado Federal Ricardo Tripoli (PSDB-SP) levanta sua voz pelos animais em zoológicos no Brasil". 

Saiba mais sobre elefantes em cativeiro, no website da ElephantVoices.

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Os elefantes precisam de nossas vozes!



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